A União Europeia não levou na devida consideração os impactos ambientais e sociais do acordo comercial com a América do Sul: queixa é apresentada
15 junho 2020
A Comissão Europeia ignorou sua obrigação legal de garantir que o acordo comercial com o grupo “Mercosul” de países da América do Sul não gere degradação social, econômica e ambiental e violações de direitos humanos, destaca uma nova ação judicial.
Em uma queixa formal apresentada ao Provedor de Justiça Europeu, organizações ambientais e de direitos humanos – ClientEarth, Fern, Instituto Veblen, La Fondation Nicolas Hulot pour la Nature et l'Homme e Federação Internacional dos Direitos Humanos – apresentaram detalhes de como a Comissão teria concluído as negociações comerciais sem considerar plenamente os possíveis impactos sociais, ambientais e econômicos do acordo resultante.
Em junho do ano passado, a Comissão anunciou que, após mais de 20 anos de negociação, havia chegado a um acordo comercial com o Mercosul, o bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – que representa a quinta maior economia fora da UE, com um PIB anual de 2,2 trilhões de euros.
No entanto, as organizações que apresentaram a queixa alertaram que a Comissão não dispunha de informações suficientes para considerar adequadamente o possível impacto do acordo sobre o desmatamento da floresta amazônica, o uso de pesticidas perigosos na agricultura ou os direitos de populações indígenas, entre outras questões, no processo de negociá-lo.
A advogada para questões de comércio e meio ambiente da ClientEarth, Amandine Van Den Berghe, afirmou o seguinte: “Para chegarem a um acordo comercial adequadamente, seus negociadores têm a obrigação de avaliar os possíveis impactos sociais, ambientais e econômicos do instrumento.
“Acordos comerciais só devem ser assinados com base em uma avaliação positiva do seu impacto futuro e, o que é mais importante, com base na certeza de que não gerarão impactos ambientais e sociais negativos.
“Ao não considerar esses aspectos, a Comissão Europeia fez vista grossa para o possível impacto que o comércio com esses países sul-americanos terá sobre as florestas tropicais brasileiras e os direitos de povos indígenas.”
A queixa apresentada detalha como a Comissão não fez uma avaliação de impacto na sustentabilidade antes de concluir as negociações e só publicou uma minuta de relatório quatro meses após fechar o acordo, invalidando o objetivo do processo e impossibilitando a participação da sociedade civil.
Além disso, as organizações responsáveis pela queixa afirmaram que o relatório era frágil e que seu conteúdo provava que a Comissão carecia de informações suficientes e adequadas para garantir opções políticas sólidas, transparentes e factuais no decorrer das negociações.
Van Den Berghe acrescentou: “A Comissão afirma que pretende adotar uma política comercial 'baseada em valores' e que não deve assinar acordos de livre comércio sem saber se poderão incentivar violações desses valores.
“Acordos dessa natureza devem basear-se em avaliações de impacto independentes, realizadas dentro dos prazos previstos, para que possam subsidiar as negociações em bases significativas, inclusivas e transparentes.
“Além disso, o fato de a Comissão não ter garantido uma participação adequada da sociedade civil no decorrer das negociações constitui má gestão.”
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Nota aos editores
Com mais de 260 milhões de consumidores e um PIB anual de 2,2 trilhões de euros, o Mercosul é a quinta maior economia fora da UE.
Se o processo for bem sucedido, o acordo comercial será o mais abrangente já assinado pela UE para a população envolvida (780 milhões de pessoas) e um dos maiores em termos de volume de comércio (40 a 45 bilhões de euros em produtos importados e exportados).
O acordo deve incentivar exportações de empresas europeias que atuam nos setores automotivo, químico, farmacêutico e de vestuário e ampliar seu acesso a mercados de compras públicas dos Estados que compõem o Mercosul. Em troca, empresas sediadas no Mercosul, particularmente as que atuam no setor agroalimentar, seriam beneficiadas pela maior disponibilidade de canais de escoamento de seus produtos, entre os quais carne bovina, aves e açúcar/etanol, para o mercado europeu.
Linha do tempo
· 1999: Começam as negociações entre a UE e os países do Mercosul.
· 2009: Publicação da primeira avaliação de impacto na sustentabilidade.
· 2010: As negociações são retomadas após terem sido suspensas. As negociações ganharam novo impulso em 2016.
· 24 de janeiro de 2018: os consultores publicam o relatório inicial de Avaliação de Impacto na Sustentabilidade (AIS), seguido de consultas com partes interessadas.
· Abril de 2018: ONG europeias e internacionais enviaram uma carta aberta conjunta à Comissão apelando para que ela garantisse que “as avaliações de impacto na sustentabilidade e nos direitos humanos no âmbito das negociações do acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul fossem conduzidas em bases abrangentes e participativas e que suas conclusões fossem levadas em consideração antes da conclusão das negociações, em conformidade com as regras estabelecidas no manual da Comissão sobre avaliações de impacto na sustentabilidade do comércio e com o disposto no artigo 21 do Tratado da União Europeia”:
· 28 de junho de 2019: A UE e o Mercosul anunciaram um acordo político em torno do Acordo Comercial entre a União Europeia e o Mercosul enquanto a nova AIS ainda estava sendo realizada e o relatório provisório ainda nem havia sido publicado.
· Julho de 2019: Em uma sessão de perguntas e respostas, a Comissão explicou que “Está sendo realizada uma nova Avaliação de Impacto na Sustentabilidade (AIS) do Comércio que analisará o possível impacto econômico, social e ambiental e sobre os direitos humanos de um acordo comercial entre a UE e o Mercosul. Um profissional independente foi contratado para realizar o estudo.”
· 15 de julho de 2019: A Comissão organizou um diálogo com a sociedade civil para colher impressões de organizações da sociedade civil sobre a situação atual e trocar pontos de vista sobre o tema.
· 3 de outubro de 2019: publicação da minuta do relatório provisório da AIS (a “Minuta do Relatório Provisório”), seguida de consultas com partes interessadas.
· 9 de fevereiro de 2020: publicação do relatório provisório final (o "Relatório Provisório"), com uma avaliação semelhante à apresentada na minuta do relatório provisório.
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