AUMENTO DO DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA INCITA AÇÃO DA EUROPA
25 maio 2020
O Brasil entrou em tempos incertos.
A renúncia de dois ministros da saúde e a do ministro da justiça, ocorridas no período do mês passado, transtornaram o governo do presidente Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo em que cresce a oposição à sua negligente resposta à COVID 19.
O país já tem a maior taxa de mortalidade por COVID-19 da América Latina – sendo estimado que essa taxa deve dobrar a cada cinco dias – e os hospitais em São Paulo estão à beira do colapso.
Mas em meio ao tumulto, uma constante não mudou desde antes do surto: o ataque implacável às florestas e aos direitos dos povos indígenas. Pelo contrário, esses ataques se intensificaram e recebem apoio dos altos escalões do governo, com o ministro do meio ambiente sugerindo, em imagens recém-divulgadas pela Suprema Corte do Brasil, que o coronavírus era uma boa oportunidade para
simplificar os regulamentos na Amazônia enquanto a atenção da mídia está ocupada com outras coisas. O desmatamento na Amazônia aumentou 64 porcento em abril, em comparação com um ano atrás, quando os protetores ambientais ficaram longe do campo. A ausência deles criou a abertura para madeireiros e mineiros invadirem terras indígenas.
Nesse cenário, a região amazônica se tornou um ponto de inflamação para a disseminação do coronavírus. "O vírus está atingindo territórios indígenas em todo o Brasil com uma velocidade assustadora", afirmou um comunicado da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), parceira da Fern. A APIB observou que 67 grupos indígenas já relataram casos de coronavírus e que as taxas de mortalidade parecem mais altas entre eles do que na população em geral.
Agravamento da necessidade da ação europeia
A APIB e outros grupos indígenas há muito apelam à União Europeia (UE) para abordar seu papel na destruição da Amazônia e do Cerrado e nas violações dos direitos que as acompanham. Essa responsabilidade decorre principalmente do consumo pela UE de soja e carne bovina, que importam em grandes quantidades do Brasil. As evidências ligando esses setores industriais a conflitos sociais, apropriação de terras e ao desmatamento são esmagadoras.
A crise atual apenas agrava a necessidade de ações urgentes da UE e do Reino Unido para lidar com isso.
Em 5 de maio, o Observatório do Clima, uma rede de 50 organizações de sociedade civil que trabalham com políticas climáticas, pediu à UE que reveja seu acordo comercial com as nações do Mercosul, que inclui o Brasil.
“A pandemia de coronavírus impõe a necessidade de uma recuperação econômica sustentável. Assim, as salvaguardas ambientais do acordo, que eram insuficientes antes da COVID-19, agora tornaram o documento desatualizado”, disseram eles.
Felizmente, o apoio a um regulamento de due diligence da UE para combater violações de direitos humanos e destruição ambiental nas cadeias de suprimentos dos membros da UE - como exemplificado pelas importações do Brasil - está finalmente ganhando ímpeto, após a Comissão publicar, no ano passado, Comunicação sobre ampliar as ações da UE para proteger e restaurar as florestas do mundo.
A UE estabeleceu agora outro marcador para garantir que suas importações agrícolas não mais alimentem o desastre em curso no Brasil.
A estratégia Farm to Fork for Sustainable Food (Do Prado ao Prato para Alimentos Sustentáveis) da Comissão Europeia, publicada em 20 de maio, representa “o coração do Acordo Ecológico [Europeu]” e se propõe a “enfrentar os desafios de sistemas alimentares sustentáveis de maneira abrangente, reconhecendo os vínculos inextricáveis entre pessoas saudáveis, sociedades saudáveis e um planeta saudável".
A estratégia Farm to Fork for Sustainable Food (Do Prado ao Prato para Alimentos Sustentáveis) da Comissão Europeia, publicada em 20 de maio, representa “o coração do Acordo Ecológico [Europeu]” e se propõe a “enfrentar os desafios de sistemas alimentares sustentáveis de maneira abrangente, reconhecendo os vínculos inextricáveis entre pessoas saudáveis, sociedades saudáveis e um planeta saudável".
A estratégia reconhece que o recrudescimento dos requisitos de sustentabilidade no sistema alimentar da UE deve ser acompanhado por políticas que elevem os padrões globalmente "para evitar a externalização e exportação de práticas insustentáveis". Ela também afirma explicitamente que tais medidas devem ser aplicáveis legalmente: "Para reduzir a contribuição da UE ao desmatamento global e à degradação florestal, a Comissão proporá medidas regulatórias e não regulatórias para minimizar o risco de desmatamento com mercadorias colocadas no mercado da UE".
Dessa forma, esse é outro sinal de que a UE está comprometida em estabelecer padrões globais de sustentabilidade nas cadeias de suprimento de alimentos e em erradicar o desmatamento e outros abusos que enodoam suas importações agrícolas. A evidência estará agora na execução.
Em um sinal adicional de que a antipatia pelas tendências ambientalmente destrutivas do governo Bolsonaro está se tornando algo mais tangível, em 19 de maio, 40 empresas, incluindo as mais importantes redes de supermercados do Reino Unido, Tesco, Morrisons, Asda e Marks and Spencer, escreveram uma carta aberta alertando que podem boicotar produtos brasileiros se uma nova e controversa lei que legaliza a ocupação privada de terras públicas for aprovada no Brasil. Segundo eles, a lei incentivaria "novas áreas de apropriação de terras e desmatamento generalizado".
Nossos padrões de consumo e produção são fortemente dependentes da terra e dos recursos de outras pessoas - geralmente obtidos sem o consentimento delas. As consequências disso são vividamente claras hoje no Brasil. E, como nossos colegas brasileiros tornam claro, a melhor maneira de os europeus responderem é por meio de ações concretas, incluindo legislação que torne ilegal a importação de bens produzidos sob essas circunstâncias. Finalmente essa ação parece mais próxima de ser realizada.